OLGA EVERAM CARVALHO NENEVÊ

Olga Everan Carvalho Neneve Martins   nasceu em Curitiba, Paraná, Brasil. 

Formada em Artes Plásticas pela PUC/FAP e em Educação pela UFPR.

Trabalha com teatro, desenvolvendo arte-educação e pesquisa.
Faz parte da Companhia Trapiche, onde atua e escreve textos dramáticos. Dedica-se à pintura, desenho e gravura.

VIA VERSO. III Concurso Nacional de Poesia.  Ourinhos, Prefeitura Municipal de Ourinhos, Departamento Municipal de Cultura, Biblioteca Municipal Tristão de Athayde, 1995.  98 p.  15 x21 cm.   Coordenação do Projeto:  Marco Aurélio Gomes.  Capa: Dany Eudes Romeira.

Ex. bibl. Antonio Miranda

Soluço I

Há uma ave negra e soturna que sempre ronda meu pensamento
Nunca sei se ouço sua voz ou me entrego a seu olhar.
Imagino como seriam as fantasias de Maria.
Qual o refúgio?
A experiência deve ter-lhe maltratado, não só corpo mas, a alma.
Existem inocentes à beira-mar, jantam náltilos e respiram fogo.
Recebem um tratamento carinhoso, que não aguentam, não
resistem e morrem.
Minha realidade é obscena.
Meu ventre reza a Ave Maria e sinto novamente o sopro da vida.
Na minha insanidade há um intervalo para a luz da vela e é aí que
percebo a mulher em mim.
Mulher é buracos.
Buracos de beijo quente, de coração ausente, de voz calada,
de peito nu, de sexo descoberto e abismo negro. E quando ventre
inchado, saía nos pés, o sol esquenta o umbigo e a lua reflete
espelho.
Gera...
Aumenta...
E roto, salta o grito. Prorrompe aos berros. Deus observa. Castiga!
“Porque fizeste isso, eu aumentarei os teus trabalhos”!
E, mulher, engulo falos e trapos. Vomito dor e flor. Útero vazio,
gozo e cio. Vou ao sofrimento mas, quero prazer.
Vigília!
Goteja sangue, bebo com melodia, perfume, lágrima e sabor.
Solidão.
Eu não tenho a mínima paciência. Não revelo qualquer vestígio.
E me estranha a mim mesma, não me reconheço.
Guerra.
Reza.
Melancolia.
Tudo em preto, vermelho e amarelo.

      *

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Página publicada em junho de 2021